GRAVAÇÃO DE VOZ EM ESTÚDIO
GRAVAÇÃO DE VOZ EM ESTÚDIO

Com a chegada dos meios digitais para gravação e edição de áudio, muitos processos tiveram de ser reavaliados em função das novas possibilidades que apareceram. Eu tive o privilégio de gravar e acompanhar por algum tempo esses processos na época do analógico e confesso sentir um pouco de nostalgia ao lembrar dessa época.
Há vinte e cinco anos atrás, para que alguém se apresentasse como cantor,  realmente tinha de ter algum mérito. Não havia  recursos de auxílio que facilitasse a vida desse indivíduo e o que se ouvia no disco era de fato o que a pessoa havia cantado no momento da gravação. Uma sessão de gravação de voz poderia durar horas e horas, dependendo da habilidade e preparação do cantor.
O processo se dava mais ou menos desse jeito: Escrevia-se os arranjos e depois os músicos eram convidados a gravar. Quando o playback estavivesse terminado ou pelo menos com conteúdo o suficiente, o cantor era chamado ao estúdio para a gravação da voz. Durante a gravação de voz, se o cantor desafinasse em algum trecho, o encarregado pela direção musical pedia ao técnico de gravação para que parasse o playback e então ele instruía o cantor na correção daquela nota. O técnico de gravação voltava um pouco a fita e começava a gravar de algum ponto antes da nota em questão para pegar a nota certa. A cada vez que a pessoa errasse, o processo era repetido. Já pude presenciar uma pessoa perder mais de quarenta minutos na primeira frase da música e posso garantir que isso é muito cansativo, tanto para o cantor quanto para os técnicos de som. A questão é que isso representava um stress emocional muito grande para o canto e esse stress só acarretava mais erros. Para a pessoa que estava responsável pela direção de gravação, a validação ou não de um trecho cantado era efetuada com base em três critérios que tinham diferentes graus de importância:

Afinação. Este era sem dúvida o critério mais relevante na hora de invalidar um trecho da tomada. Exigia que o diretor musical tivesse um bom ouvido para identificar as suaves flutuações de afinação na execução do cantor e julgar se era necessário regravar o trecho ou não.


Tempo. As vezes podia acontecer do cantor acertar na afinação mas entrar um pouco fora do tempo e isso podia invalidar o trecho. Inícios de refrões e estrofes eram lugares bem comuns de acontecer esse problema.

Interpretação. Diferentemente dos dois critérios anteriores esse critério se tornava válido somente se o cantor possuísse capacidade musical para executar melhor o que cantou sem pecar nos outros dois critérios.

Mas na grande parte das vezes não era o que acontecia. O processo de gravação de voz se tornava tão demorado e enfadonho que após um hora no mesmo trecho, se o cantor acertasse a afinação e o tempo da nota já era o suficiente para validar a tomada e a interpretação deixava de ser critério.

É claro que não eram todos os cantores que tinham essa dificuldade para gravar mas a grande maioria funcionava mais ou menos desse jeito. 
Hoje isso é coisa do passado. As ferramentas modernas de gravação e edição de áudio nos permitem virtualmente fazer o mouse cantar. Se o cantor desafinar existem as ferramentas de afinação para corrigir a voz do cara. Se o cantor estiver fora do tempo, também não tem problemas, o mouse dá jeito. E daí, o que não era prioridade na direção de voz, se tornou a peça chave para uma boa tomada. A interpretação passou a ocupar lugar de destaque.
Quando o cliente está dentro do aquário, ele tem todos os motivos pra ficar nervoso em função do grau de exposição em que se encontra mas, é exatamente isso que eu procuro evitar a qualquer custo. Se o cantor fica inseguro ou nervoso a interpretação vai pro saco. Conheço pessoas que ficam mais a vontade diante de um teatro lotado do que diante de um microfone e um técnico de estúdio.Quando sou contratado para dirigir alguma gravação de voz onde o cantor não tem muita experiência, gosto de seguir alguns passos que acredito contribuírem para o bom desenrolar das coisas. É uma lista de boas práticas que não estão associadas com detalhes técnicos mas sim com a forma de lidar com o cliente, tentando garantir um ambiente agradável para uma boa gravação:

1° - Tente estabelecer um relacionamento de confiança com o cantor.  É importante que ele se sinta entre amigos e que não está sendo julgado.

2° - Explique com detalhes e pormenores todo o processo de gravação de voz, quais serão seus critérios para validar as tomadas, que músicas pretende gravar primeiro, quantas músicas pretende finalizar por dia. Não é muito agradável quando você está trancado em uma sala e não tem ideia do que está rolando na outra.

3° - Instruções do tipo: Evitar ficar limpando a garganta, não forçar a voz enquanto estivermos em processo de aquecimento, não forçar a voz desnecessariamente, tenha sempre a mão um copo com água. Coisas desse tipo também ajudam bastante na tarefa de estabelecer um relacionamento de confiança com o cliente afinal de contas, quem não gosta de receber cuidados.

4° - Clientes as vezes precisam de amuletos mágicos para se sentir mais confiantes e por isso esteja sempre pronto a recomendar placebos. Alguns bons exemplos são: Um pouquinho de sal em baixo da língua ajuda a liberar o pigarro, spray de mel e própolis alivia algum desconforto na garganta, chá de romã etc. Já ví alguns cantores utilizarem durante a gravação sprays como o hexomedine para aliviar o desconforto da voz cansada mas eu particularmente não recomendo porque isso faz o cantor forçar a voz além de seus limites.

5° - Uma boa prática é ter uma mandada de fones completamente independente da sua via de monitoração assim, o cantor pode ouvir o playback com uma mixagem personalizada para ele, priorizando as suas necessidades. Normalmente instrumentos como pianos, violões e pads oferecem mais segurança de afinação ao cantor. Em contra partida existem outros instrumentos que além de não fazer tanta diferença para o bom desempenho, oferecem mais risco de vazamento de fone como por exemplo metrônomos, caixas da bateria etc. O importante é que o cantor sinta-se confortável com o playback.

6° - Faça tomadas da música inteira, sem interrupções. Existe uma série de vantagens em proceder dessa maneira. Se o cantor não tiver experiência mas for habilidoso, umas cinco tomadas são o suficiente. Normalmente o cantor precisa de pelo menos duas tomadas para se familiarizar com o playback. Nas outras três tomadas ele irá fazer bem o que a sua habilidade lhe permite. Acredite, você pode se surpreender. Gravadas as cinco tomadas, peça ao cantor para se sentar e daí parta para edição. Utilizando a última tomada como base, ouça trecho por trecho da voz, se alguma parte não estiver legal compare com as tomadas anteriores até encontrar uma que sirva e depois recortar e colar. Fazendo isso é muito provável que você monte uma tomada 100% aproveitável e com a vantagem de estar gravada com uma boa interpretação. Se depois da edição você perceber que algum trecho ainda não está legal, daí sim peça ao cantor para corrigir especificamente o trecho.

7° - Lembre-se de poupar o cantor sempre que puder, gravar o repertório de um disco em três ou quatro dias é um trabalho cansativo para ele.

8° - No caso de estar gravando uma dupla não é muito legal gravar a primeira voz em todas as músicas e depois gravar a segunda voz. O melhor é alternar entre os cantores para que enquanto um grava o outro possa descansar e descontrair um pouco.

Bem, aí estão algumas dicas conhecidas e divulgadas, importantíssimas para quem deseja fazer uma boa gravação de voz.

 

Você está ouvindo Studiosound Back (Joice e Josué Jr.) , gravação para Grupo Herança-PR (Meu Pecado).

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